terça-feira, 31 de agosto de 2010

Inveja de monoesporte


Já recebi a revista Triathlete de outubro, mas esse deve ser o último exemplar que recebo, passei a assinar a versão eletrônica: mais barata, prática e economiza papel. Gosto muito de ler a coluna da Samantha McGlone, ela sempre tem uma boa tirada, algum detalhe interessante a comentar. Gostaria de compartilhar aqui no blog a coluna dela de outubro que achei muito legal. Ela usa a palavra "envy" no texto original que eu traduzi como "inveja". Mas eu senti que inveja, em português, tem um sentido muito mais pesado e negativo, então peço que façam mais uma tradução interna, que filtrem essa sensação pesada e se divirtam comigo.

Inveja de monoesporte

Por Samantha McGlone

Minha primeira (e única) participação em um campeonato nacional de corrida cross-country foi longe de espetacular; o time precisava de uma pessoa extra e eu achei que uma viagem de carro para Montreal prometia bons momentos de diversão. Como esperado, a festa do pós-prova foi o ponto alto do final de semana. Meus companheiros de equipe e eu olhávamos timidamente os "corredores de verdade": homens e mulheres velozes que tinham acabado de validar seus tickets para o campeonato mundial. Eu ficava só imaginando como seria correr suavemente e sem esforço. Não tinha medida para minha inveja, sabendo que, como triatleta, eu jamais seria capaz de experimentar tamanho nível de velocidade e eficiência. Esse foi meu primeiro episódio de "inveja de monoesporte".

Todos os triatletas passam por isso em algum momento, sendo invejosos daqueles que se destacam em uma das três disciplinas. Não sei se isso deriva de uma insegurança em nossa modalidade mais fraca ou é um sentimento de oportunidade perdida num dos esportes, mas triatletas algumas vezes se ressentem da reputação de "pau pra toda obra mestre em nenhuma" que acompanha o multiesporte. Triatletas profissionais são quase sempre bons - mas não se sobressaem- atletas de um único esporte que foram parar no triathlon por "default",ou seja, o que restou para fazer quando nadar, pedalar ou correr não deu muito certo. Uma insistente sensação de insegurança nos acompanha e atletas de esportes de modalidade única certamente não ajudam a fortalecer nossos egos. Eu sou alvo de olhares desdenhosos de nadadores Master assim que pego um flutuador para corrigir meus quadris que sempre afundam. Ciclistas são de um tipo ainda mais arrogante e se orgulham disso. Aos olhos deles, triatletas são cidadãos de segunda-classe (embora eles tenham alegremente adotado os aerobars (clips de guidão), bicicletas TT (contra-relógio) e roupas de compressão sem admitirem de onde isso tudo veio). Qualquer tentativa de se juntar ao grupo local de pedal em uma bike TT será recebida com uma recusa silenciosa ou até mesmo de forma abertamente hostil. Quando eu participei da prova Shootout em Tucson, fui com uma bike de estrada e "cara de poker". Algumas vezes meus logos da PowerBar me entregam, mas se eu não mencionar a palavra "triathlon" os caras podem se convencer de que eles estão sendo ultrapassados apenas por uma garota. Isso já é suficientemente ruim. Ser batido por uma garota que nem mesmo é uma "verdadeira ciclista", só uma triatleta, pode ser demais para seus frágeis egos suportarem.

Os corredores parecem bastante amigáveis, mas seus olhares congelam quando nós colocamos a bike no rolo ao lado da pista de atletismo. Visualização e imaginação podem ser úteis nessas situações. Geralmente eu visualizo o corredor magrinho da raia ao lado sendo transportado para uma largada de natação em águas-abertas e vibro enquanto aqueles calcanhares fracos e sem flexibilidade se esforçam para darem pernada e surfarem pelo mar picado. Dó? Talvez, mas me faz sentir melhor ao ter de carregar meu peso extra de músculos de nadadora por 42 km. Mais que tudo, isso me lembra que o que fazemos é bem difícil também e merece respeito.

Meu mais violento episódio de inveja de monoesporte geralmente vem a tona enquanto estou empacotando minha bike e pagando o equivalente a uma passagem extra de avião em taxas de excesso de bagagem (será que eu não poderia simplesmente comprar uma passagem a mais e pular a etapa do empacotamento?) enquanto meus parceiros corredores passeiam até o avião com nada mais que uma mala e uma mochila. São nesses momentos que eu respiro fundo e me lembro que poderia ser pior: eu poderia ser uma pentatleta. A logística de viajar com cavalos, espadas e armas provavelmente bateriam minha única e solitária mala-bike.

Quando tudo parece demais e a inveja pelo monoesporte ameaça acabar com o equilíbrio, tente lembrar que as vantagens de ser um triatleta são muito mais numerosas que as desvantagens. Triatletas viajam para qualquer lugar, desde grandes cidades a pequenos vilarejos e praias exóticas e, na verdade, podem até desfrutar da paisagem durante a competição. Por padrão, o triathlon deve acontecer numa porção de água limpa cercada por estradas amplas nas quais se deve pedalar e correr. Na próxima vez em que você estiver nadando no mar ou em um lago de águas límpidas, conceda um pensamento para aquelas pobres almas que viajam pelo mundo todo apenas para ficar 5 dias confinadas em um estádio de atletismo ou numa piscina. Aquelas linhas escuras no fundo da piscina são bem parecidas desde Londres até Tóquio.

Triatletas também levam vantagem quando o assunto é lesão. Lesões crônicas de repetição prevalecem em qualquer esporte de resistência, mas a combinação de natação, ciclismo e corrida significa que nós podemos ser beneficiados pelo desenvolvimento muscular equilibrado e pelo fortalecimento dos músculos do core. Corredores lesionados são comumente aconselhados a adicionar treinamento cruzado à sua rotina; triatletas estão bem à frente no jogo nesse aspecto.

Até agora, o único antídoto que encontrei para a inveja de monoesporte é interagir com alguém com caso de "multiesportite". Dez anos depois que vivenciei meu primeiro episódio, encontrei um dos mesmos "verdadeiros corredores" que ajudaram a me convencer de que minhas habilidades eram mais adequadas para o triathlon do que para os 10k. Muito tempo depois de se aposentar das competições de corrida, um atleta que participou de 2 olimpíadas se aproximou de mim e se apresentou. Estava ansioso para me encontrar, ele me disse. Estava nervoso porque ia fazer seu primeiro Ironman no próximo verão e queria pedir conselhos de uma "verdadeira profissional". Eu sorri e a inveja se dissipou instantaneamente.


Samantha McGlone participou de uma olimpíada e foi campeã mundial do Ironman 70.3. Terminou em segundo lugar o campeonato mundial de Ironman 2007 e é a atual recordista do percurso do Ironman Arizona.Texto extraído e porcamente, porém com a melhor das intenções, traduzido por mim da revista Triathlete de outubro de 2010.

8 comentários:

  1. Belo texto. Valeu a traducao. Vou p/ meu primeiro tri. Vou de hibrida mesmo. Vamos ver o q rola. Bjs

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  2. Muito legal, mesmo! Só dicordo da parte das lesões... A gente acaba é tendo lesão de todo o tipo! kkk

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  3. Mas e a Fernanda Keller? Ha quantos anos ela faz 2 Iron ou mais por ano sem ter lesão? Uns 20 ou mais? O problema do triatleta é a obsessão dele por treinos, sem descanso, não do triathlon....eu mesma, tenho 7 anos de triathlon, os problemas que eu tive foram congenitos (descalcificação) ou de acidente (queda da bike, torsão). Mas nesse período nunca tive nenhuma tendinite, problema em nenhuma articulação nem em nenhum músculo. Você tb Clau, teu ombro ferrou numa queda de bike e teu joelho tá zoado da época que vc só corria...né não?

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  4. Monoesporte = monotonia...???...

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  5. Imagina acordar todo dia cedo pra treinar a mesma coisa? Monotonia na certa! O legal é chavear o cérebro e o corpo pra nadar de manhã e correr a tarde e no dia seguinte pedalar cedinho...

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  6. Isso mesmo... Fazer todo dia a mesma coisa não dá... É muita monotonia!!!

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  7. Thelma, vc treina natação na Sumare Sports ? estou procurando outra academia para nadar (atualmente nado na Competition) e queria referências desta. Pode me ajudar ? Erika

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