quarta-feira, 13 de abril de 2011

Bastidores do triathlon



Parte 1: O carro

Nadar, pedalar e correr, tudo na sequência, no mesmo evento, quase sem descanso entre uma modalidade e outra. Requer treinos diários, geralmente 2 modalidades por dia. Treinar triathlon, trabalhar, ter tempo para família e amigos e morar numa cidade caótica como São Paulo é quase um milagre. Mas existe uma parcela de obsessivos neuróticos e disciplinados que consegue, nem sempre da forma, digamos , mais limpa. Apesar de todo o charme da tecnologia das bikes, dos aparatos, do equilíbrio muscular, das cores, da aura apolínea do triatleta, existe um outro lado bem menos glamuroso. Não sei o que se passa com os triatletas de outras cidades, que talvez tenham algumas facilidades, como ir para o treino a pé, de bike, nadam no mar, etc, mas vou abrir o jogo e contar alguns detalhes sórdidos dos bastidores do meu esporte aqui em São Paulo.

A começar pelo carro. Para ser triatleta aqui, com o mínimo de segurança e pontualidade, é preciso ter carro. A cada treino, a cada competição, a gente “chucha” um monte de coisa lá dentro e nunca consegue tirar tudo. Eu não coloco a mão debaixo do meu banco sem olhar antes.

Caramanhola (garrafinha) é uma beleza, rola pra tudo quanto é lado no chão do carro. E se estiver com restos de maltodextrina ou Endurox então só rola uma vez pra baixo do banco e gruda, deixando um rastro de lesma brilhante pelo tapete de borracha. Uma vez eu achei uma caramanhola antiga no porta-malas e tinha um ser vivo morando nela. Joguei no lixo sem pensar duas vezes, antes que a tampa se abrisse e saísse uma garra asquerosa lá de dentro. Por outro lado, outro dia, estava na musculação e o treinador me deu uma bronca porque eu não estava me hidratando. Retruquei dizendo que tinha esquecido a garrafinha. Ele deu risada e me falou: “Ah vá, carro de triatleta sempre tem uma caramanhola debaixo do banco do passageiro, na parte de trás, aposto que tem uma no seu.” Não dei o braço a torcer: “Tem nada! Meu carro é organizado!”. Quando fui embora, só por curiosidade, procurei em baixo do banco. Ela estava lá. Felizmente tinha só um resto de água e coloquei novamente debaixo do banco, nunca se sabe quando vai precisar...

Uma coisa é certa: não dá pra ser triatleta e fresca (o). Se é fresca (o) não é triatleta de verdade, deve fazer “teatro”. Porque pensa bem, pegar o saquinho com roupas sujas do treino da manhã que ficou o dia todo dentro do carro, às vezes sob altas temperaturas, abrir no final do dia pra lavar é um ato de coragem. Isso quando a gente lembra de levar o saquinho, porque senão elas ficam todas emboladas no chão, atrás do banco do motorista, deixando um olor agradabilíssimo, praticamente um pout pourri de rosas e alfazema, que você sente ao abrir a porta do carro e quase cai pra trás. Coitado do manobrista, se o carro fica em um estacionamento. No meu estacionamento eu chego e já vou avisando: “Ó, tem gato morto aí dentro hoje hein? Melhor deixar os vidros abertos!” .

Tênis eu já cansei de lavar, dá muito trabalho e gasto muito tempo. Agora, depois dos treinos longos de corrida, aqueles em que a gente sua bastante e os tênis ficam encharcados de suor, eu simplesmente os coloco no sol pra secar. Depois uso de novo. Sol. Suor. Sol. E por aí vai. Só lavo mesmo se estiverem (bem) enlameados ou se a presença deles dentro do meu carro for notada antes mesmo do treino. Ainda bem que os pés ficam longe do nariz quando a gente corre!

Agora, tem uma coisa estranha que acontece, um fato inexplicável, acho que é um “poltergeist”. Um fenômeno paranormal. Uma, e somente uma luva de ciclismo quase sempre muda de lugar sozinha e vai para uma parte desabitada do carro. Por mais que eu verifique. Por mais que coloque tudo juntinho. Uma fica lá dentro. E quando eu descubro, valha-me meu Nosso Senhor do Couro Podre, é um cheiro peculiar. Só ela. Sozinha. Pequenininha.Tem um futum que vou dizer. Luva de ciclismo deve ter mesmo um segredo porque quando ela começa a ficar velha, não adianta lavar mais, nem deixando de molho na cândida. Só botando fogo e exorcizando a coisa ruim!

Mas não é sempre que a gente acorda de manhã e sabe exatamente o que vai conseguir treinar durante o dia (leia-se aqui antes do trabalho, na hora do almoço ou depois do trabalho). Ciclismo não tem jeito pra mim, ou é de madrugada ou é bike no rolo. Mas natação, corrida e musculação são sempre incógnitas. Então carrego de tudo um pouco no meu possante. Nele quase sempre se encontrará : 1 par de tênis, 1 maiô, 1 óculos de natação, 1 touca de natação, 1 toalha, 1 conjunto de corrida (top, meia, camiseta, shorts), 1 gel, 1 bananinha Paraibuna. Bobeou a gente dá aquela escapadinha pra correr no parque no final do expediente ou faz meia-horinha de musculação antes de ir pra casa.

Eu poderia falar do banco do carro no pós-treino, mas sou bem precavida quanto a isso, cuido bem dele porque depois eu preciso sentar no mesmo banco com roupa de trabalho limpa e cheirosa, apesar de o cinto de segurança, às vezes, ficar úmido (ainda não resolvi essa questão) então sempre levo uma toalha e acabei de comprar uma capa de banco especial. Muito boa. A minha tem até estampa de flores pra dar um quê delicado num mundo tão rude. Mas esse não é o padrão não, em geral o banco dos carros dos triatletas é deplorável, já ouvi manobrista (que é cabra macho sem frescura nenhuma) reclamando do cheiro e de ficar com as costas e a poupança molhadas de suor alheio.

Hoje peguei carona para almoçar com amigas triatletas e personal trainers. Tinha uma bola de treino gigantesca "sentada" ao meu lado e outras coisas que não consegui enumerar, de tantas. Se a bola estava no banco traseiro, não quero nem imaginar o que teria no porta-malas...