terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Você treina o quê?!


Sempre que começo a conviver com um novo grupo de pessoas o assunto esporte não tarda a surgir. Seja pelas mãos de um prato de comida saudável, pelo tônus muscular ou pelas mãos de uma prosaica camiseta de competição, as pessoas, cedo ou tarde perguntam se eu sou atleta e quando respondo que faço triathlon o espanto é unânime: “você treina o quê?!”. O triatleta que ainda não recebeu em troca um “você faz teatro?” é apenas questão de tempo e de oportunidade.

O que se segue após esse contato inicial é mais ou menos um “ahhhh bem que eu percebi que você tem um porte atlético”. Se o diálogo parasse aí eu já consideraria meu dia ganho. Mas a avalanche de perguntas começa, na maioria das vezes nessa ordem, como uma pedrinha que vai descendo a encosta da intimidade abaixo e vai agregando cada vez mais neve e se transformando numa imensa massa de gelo destruidora: “você treina quantas vezes por semana?”, “que horas você treina?”, “aonde você treina?”, “quantas horas você dorme?”, “o que você come?”, “você trabalha?”, ”a que horas você entra no trabalho?”, “que horas você namora?” e finalmente a fatídica: “você tem vida social?”.

Adoro responder cada pergunta e sempre acho que meu estilo de vida “triatlético”, na verdade, pode influenciar positivamente as pessoas. Seja lá no que for. Se a pessoa parar para pensar na quantidade de gordura que ela ingere uma vez naquele dia já tá valendo. Se ela pensar “pô, se essa maluca faz tudo isso eu também posso fazer pelo menos uma caminhada no domingo” pra mim é a glória nas alturas amém.

Mas existem os casos bizarros. Em 2008 fiz uma maratona em Amsterdã. Após a maratona aproveitei para passear pelos países próximos. O primeiro destino seria Berlim, de avião. Sentei na minha poltrona na janela e eis que uma “porta” de 2 m x 2m senta-se ao meu lado: um americano gigantesco, forte e gordo. Fiquei espremida na janela, praticamente desapareci ali no meu canto. Mas não satisfeito em me sufocar fisicamente, desembestou a falar sem parar, me contou que era fisioculturista e estava voltando a treinar, estava indo visitar uns parentes na Alemanha e era de Connecticut. No único momento em que me foi permitido falar, contei que tinha ido fazer uma maratona e que tinha ido fazê-la porque eu queria completar o Ironman no ano seguinte, eu era triatleta. Ele ficou eufórico: “GET OUTTA HERE!!! YOU TRAIN TRIATHLON? GET OUTTA HERE! YOU'RE KIDDING?” . Resumindo a história, ele me deu uma aula de nutrição, sono, descanso, treinos, periodização, me deu uma barra de proteína enorme para comer naquele momento porque eu não poderia ficar mais de 3 horas sem comer e me deu mais uma de reserva pra qualquer eventualidade. Eu só abri a minha boca apenas mais duas vezes: para comer a barrinha que, diga-se de passagem, era muito boa e para agradecer.

Outro dia uma nova amiga, do curso de francês (“que horas você estuda?”) me fez umas perguntas mais práticas, ela veio com um: “e me fala da logística, como que você faz pra treinar tão cedo: as suas roupas, toalha, mochila, apronta tudo no dia anterior? E a toalha molhada, dá tempo de secar pro outro dia?”, “Você leva a roupa do dia pra academia ou volta pra casa pra se trocar?” . É mágica, a gente faz mágica. Montar a mochila de treino do dia seguinte é chato, levo pelo menos 1 hora. Não posso esquecer nada e, no final do dia, ou seja, instantes antes de montar a mochila do dia seguinte, tenho que tirar todas as coisas sujas e molhadas dela, deixar de molho, botar pra secar. E o glamour? Cadê o glamour de ser triatleta? Ficou de molho na cândida, junto com a meia cheia de graxa e lama do treino de pedal de hoje cedo.

Brincadeiras à parte, só dá pra enfrentar todo o perrengue que é treinar triathlon amando muito esse esporte. Eu sou fã, leio revistas, entrevistas, assisto DVDs, etc, e acho que posso influenciar as pessoas a levarem uma vida mais saudável pela vida que levo. Então, respondendo: não, não faço teatro, nem na vida nem no esporte, encaro de frente e de verdade.

9 comentários:

  1. Show esse post Thelma!! Perdi a conta de quantas vezes me perguntaram se eu fazia teatro e se era acrobático

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  2. Show!!!!!!!!!!!!!!

    (como sempre)

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  3. Thelma, me diverti muito lendo este post. Me fez lembrar quando tento explicar minha profissão: Engenheiro de Software. Com o tempo aprendi a desviar do assunto quando perguntam o que eu faço.

    http://dundes.com/ex-sedentario/author/admin/

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  4. Uma hora pra arrumar a mala de treino???? truco, ladrão! Tá precisando treinar pra diminuir este tempo, hein... KKKK adorei o texto, divertido, como sempre. E compartilho desta "missão" com vc: se ajudar alguém... tá valendo!

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  5. Patrícia: teatro acrobático é o máximo hein? Essa ganhou! rsrsrs

    Clau: eu arrumo a mochila com as roupas do treino e a roupa do batente. É muita coisa pra escolher, combinar cor, etc. E não posso esquecer nada! Sem chance de voltar pra casa. Vou cronometrar pra pedir seis nesse truco...

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  6. Sou prova de que você influência, e muito bem, muitas pessoas.

    Que legal existam pessoas assim.

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  7. Telma, muito bom teu texto. Bem acurado. Acho que deveria somente ter guardado um parágrafo para dizer que a maioria das pessoas fica impressionada (ante aos seus sedentarismos) com a nossa atividade. Parabens pelo blog!

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  8. Thelma, quando li 'teatro' rolava de rir. por que? meu avo, ex-ciclista super empolgado com esportes, quando fala para as pessoas da neta diz ' ela faz teatro, mas nao aquele de palco, o de nadar pedalar e correr'
    ele é italiano, nao fala direito o portugues, enfim... dei muita risada!

    A parte da mochila... eu acordo 4 e pouco todos os dias. durmo tarde porque faço faculdade, trabalho dia todo... esquecer um sutia, um top... uma bermuda de ciclismo é digno de ficar roxa de raiva no vestiario, sapatear e gritar por dentro... suplementos, tappewares, potinhos, comida, fruta, enfim.... eita amor que temos pelo esporte! bjs Bruna Andriello

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