terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Olhando para dentro

Um dos maiores erros que os atletas competitivos de esportes individuais cometem no dia da prova é prestar mais atenção fora do que dentro, me explico: fora = tudo aquilo que acontece ao seu redor, os outros atletas, seu computador de pulso, GPS, Cateye, velocímetro, cronômetro, as condições climáticas, os torcedores, enfim, tudo o que não é você. Dentro = tudo aquilo que se passa no seu interior, no seu corpo, suas percepções, seu calor, sua sede, sua fome, seu cansaço, sua vontade, seu humor, enfim, seus sinais vitais do corpo e da mente.

Se estamos falando de esporte individual, isso significa que você só pode contar com você. Vou usar o triathlon como exemplo porque é meu esporte, mas isso se aplica a outros esportes individuais de endurance. Posso olhar o velocímetro da minha bicicleta na prova e ver que está abaixo do esperado, acelero mas não percebo que me desgasto demais com isso. O que vai acontecer? Uma hora vou pagar o preço, seja na corrida em seguida, seja numa lesão, seja numa doença logo ali, e digo isso com propriedade porque já passei por tudo, já quebrei na prova, já me lesionei, já tive uma trombose em 2009. Muitas vezes treino com um pessoal que é extremamente dependente do GPS, tanto na corrida como no ciclismo. De repente a pessoa fica o tempo todo olhando o GPS para manter o ritmo. Fico inconformada, não é possível que não consiga sentir o esforço. Penso comigo: joga esse treco fora! Presta atenção no teu esforço que você ganha mais! Eu tenho um GPS mas uso mais para marcar as distâncias, olho poucas vezes o ritmo.

A primeira vez que meu Cateye (velocímetro da bicicleta) morreu numa prova bateu desespero. Ferrou! Pensei. Mas fazer o quê? Saí pedalando. Conforme foi passando o tempo, eu ali, só sentindo meu esforço, comecei a gostar da coisa. Fiz um trato comigo mesma: vou manter um ritmo em que a perna não queime e eu não fique muito ofegante, mas também sem moleza, sem “passeio no parque”. Terminei o pedal bem, saí pra correr inteirona. Ano passado em Pirassununga o Cateye morreu de novo, nem me abalei, pelo contrário, respirei fundo e comecei a olhar pra dentro. Terminei a prova debaixo de 34C e sol no lombo sem cãimbras, feliz da vida.

Bem, ser dependente dos brinquedinhos tecnológicos nem é o maior mal não. O que pega mesmo é ser dependente dos outros! O que meu adversário está fazendo, o que ele treina, o que ele come, o que ele descansa, eu lá vou saber! Tem gente que até treina escondida. Eu sei o que eu fiz, o que eu treinei, o que eu bebi, o que eu comi, o que eu descansei. Esse domingo teve Triathlon Internacional de Santos, um calor dos infernos, umidade alta. Já quebrei nessa prova de terminar com a vista escura abraçada ao bebedouro de Gatorade. Esse ano pus na cabeça que eu não iria olhar em volta, não iria olhar quem estava na minha frente nem quem vinha vindo atrás. Na corrida, coloquei um tapa olho, feito burro de carga mesmo: enterrei minha viseira e olhei pro chão (com isso fiquei menos interativa, desculpem amigos), só prestando atenção nas sensações. Tive altos e baixos, quis parar porque o calor era brutal e sufocante, os 10k pareciam 20k. Mas era só a mente, o corpo estava bem hidratado, respiração controlada, sem dores, diminui um pouco o ritmo e fui em frente.

Quando o calor é muito forte e o esforço é grande a gente não pode tomar muita água de uma vez senão o estômago não absorve e dói na região do abdomen, não pode deixar de tomar para não entrar em desidratação profunda, não pode jogar muita água gelada na cabeça porque senão molha o pé e faz bolha, não pode deixar de se resfriar senão a pressão cai. Tá fácil né? Imagina tomar conta disso tudo e ainda dos outros? Dá não. Mas funcionou, eu terminei muito cansada mas terminei me sentindo bem, alguém gritou para mim no finalzinho da corrida: você é a segunda mulher amadora a terminar. Ótimo resultado, mas sinceramente? Pra mim, minha maior vitória nesse domingo, foi comigo mesma, controlar todas essas variáveis internas, curtir a competição e terminar bem é o meu desafio e o meu troféu.